quinta-feira, agosto 10, 2006

Pode crer.


















Miró. Personages in the Night Guided by the Phosphorescent
Tracks of Snails, 1940, gouache & turpentine paint on paper.
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Ajoelhar-se aos meus pés não, por favor. Ajoelhado, assim, só se for pra meter sua língua entre minhas pernas.
O meu amor é inteiro, não quero você em pedaços e muito menos ajoelhado pra retribuir favores. Não me contento com isso. Se for esse o seu desejo; prefiro você longe.
Do jeito que está. Eu aqui, e você do outro lado. Observo-te, acaricio seus cabelos mais curtos, te beijo, sinto seus lábios quentes, olho nos seus olhos. E você, sem saber de nada. É verdade, te sinto inteiro em mim. Talvez sinta minha presença também? Eu penso em você com tanta força. É possível que sinta até a quentura do meu corpo, o cheiro e textura do meu gozo. Não duvido que ouça meus sussurros. Você me arrepia.
Som, cheiro e gosto. Harmonia.
Se não, posso te contar.
Da janela que fica ao meu lado; grande, no vidro, vejo seu reflexo, brilho, e a lua te ilumina; ela é sua. Cheia, cheia de luz, que reflete toda em seu ser, e as estrelas também. Recebi duas de presente, lindas estrelas. Desenhos que vieram nas psicografias. Uma azul e amarela; sua, e a outra, muito grande, cor de rosa por dentro e amarelo-brilhante por fora; minha. Com elas vieram cartas. Lirismo do além que falava de você. Meus amigos espirituais me contam seus segredos. Pervertidos e doces. Contam-me até suas maldades.
Não, não vou me calar.
Quero lembrar;
daquele dia que senti seus dedos entre os cachos louros dos meus cabelos. Dedos longos, de pianista. Mãos macias, que acariciavam minha nuca e meus braços de pele de pêssego, e ao mesmo tempo você sussurrava no meu ouvido; falava da beleza da tatuagem de sol e lua que tenho nas costas. Ficamos sentados, encaixados, e sentia sua potência por trás, você; o meu frêmito. E quanto mais sensações espasmódicas eu tinha, mais você me queria.
Siouxsie, amor e anatomia.
Devagar, você me tomava, o nosso cheiro era um só, e dissipava-se por toda a cidade. Pessoas enlouqueciam, as luzes dos apartamentos apagavam e acendiam. Nós acelerávamos acompanhando a discoteca que era o mundo lá fora. Contemplávamos um ao outro, dois corpos, enquanto todos os outros nos contemplavam. Virei, me sentei no seu colo. Minhas pernas te abraçavam, enquanto cavalgávamos lentamente sobre o tapete branco e felpudo do meu quarto. Espertos; sorríamos de prazer e cócegas. Eu te desejava mais, sem censura, luzidia.
Tokaji, ventura e poesia.
As árvores, do lado de fora da janela dançavam ao ritmo do vento e da nossa música, uma chuva fina caía, elas se banhavam. E nós, aqui dentro, banhávamo-nos de saliva, como gatos trocando lambidas. Pela manhã, a chuva se foi. O sol nasceu, e seus raios invadiam o quarto pelas frestas da persiana, e sua cabeça, mon amour, recostada nas minhas longas pernas brancas. Colo gostoso, carinhos prometidos. O brilho do sol te deixava ainda mais bonito, e a expressão do seu rosto me contava a satisfação. Uma fotografia.
Miró, verdade e alquimia.
Coloquei sua cabeça na almofada tecida com barbante tingido de vermelho e palha. Acendi o último cigarro, vesti um jeans e sua camiseta. Fui comprar cigarros.
Comprei o meu e o seu.
Quando voltei; vi a almofada vermelha de palha jogada no chão, os cálices com resto de vinho húngaro, sentia o aroma. Siouxie ainda tocava.
Mas você não estava.
EU consumi você, pode crer.
Alegria, alegria.